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Aqui, em Varanasi

Do nascer do sol em Varanasi, no norte da Índia, chega-nos o relato do Miguel. Embalado pelos rituais hindus que celebram os primeiros raios de sol de cada dia, decidiu partilhar connosco um pouco do que viu e sentiu na “capital do espiritualismo do país mais espiritual do mundo” através das suas palavras. O rio Ganges muito poluído, mas purificador segundo os hindus, e os rituais de meditação na sua margem dão o mote a este testemunho, que nos vem despertar a curiosidade face ao misticismo de Shiva.

Escrevo isto enquanto me sento numa plataforma com os pés a pairar sobre o Ganges. Um senhor ao meu lado medita enquanto exala um profundo Om e eu escrevo um pouco do que tenho andado a meditar.

Aqui, os rituais do nascer do sol são uma demonstração crua e clara dos hábitos daqueles que habitam as margens do Ganges. Assim que acordam, novos e velhos dirigem-se ao rio, sendo na esmagadora maioria homens, independentemente das décadas de vida – ou de quantas vidas? Assim o fiz eu também.



Aqui, vejo milhares de objetos a boiarem e nenhum é tecido humano, mas sim flores de lótus, velas de cerimónia (algumas ainda queimam), roupas da típica cor do açafrão, colares, garrafas, fósforos utilizados para acender os cachimbos de haxixe que, de quando em vez se respiram e que em teoria são utilizados como forma de adoração ao Deus Shiva (ou não), meia dúzia de pobres peixes e até um ou outro búzio, e eu pergunto-me: Como é que vem aqui parar um búzio?

Aqui, os ditos locais enxaguam o corpo até fazer uma espuma que contrasta com o tom de pele, lavam os dentes, ou o que resta deles, com escova e pasta ou uma espécie de pau, e esfregam freneticamente as roupas que trazem vestidas com sabão deixando uma toalha à volta da cintura ou roupa interior, e atiram-se à água ou descem calmamente três ou quatro degraus antes de perderem o pé. Banham-se e voltam a banhar-se com vontade e até levam um pote para casa desta água sagrada, separando-se dos seus pecados e purificando assim as suas almas numa água de pureza bastante duvidosa a olho nu.

Mas a alma vê aquilo que os olhos não alcançam.

Aqui, os poucos turistas, alguns curiosos e peregrinos já preenchem o horizonte transportados em barcos mais ou menos pequenos, a remo ou com motor, acima de tudo com muito sono pela parte de quem monta no barco porque leu algures que era suposto fazê-lo… talvez tenham sido os babas a dar-lhes a crer que estava escrito na mão.

Aqui, na serenidade das cinco da manhã sentem-se 30 graus, se bem que a ausência de sol e uma brisa de sul refrescam corpo e espírito, permitindo que o cérebro baixe da constante temperatura de ebulição atmosférica e permitindo também que pense e que escreva. Parecendo que não, já não escrevo há muito, embora normalmente o faça sem pensar.

O ritual acaba, dura cerca de uma hora, que deve ser o tempo que me estou a demorar aqui. A roupa seca.

Aqui, o crematório acaba de cremar uma pessoa, o pai de um filho que leva a estrutura pélvica do seu pai. O primeiro atira água para apagar a fogueira que cospe o seu pai sob a forma de cinza, cinza essa que nos atinge, dependendo da distância. Mosquitos, cães e vacas rodeiam os fornos tradicionais como se se despedissem dos parentes, como se fossem a avó ou o avô que reencarnou sob a forma de animal e os viesse saudar antes de partir para parte incerta, ou talvez só aqui estejam para comerem os pequenos ossos cadavéricos que restam. Nunca o saberemos, mas aqui eles parecem saber.

Porque aqui tudo é místico. aqui tudo tem outro encanto. Aqui tudo ganha outro significado.

Texto e fotografias por Miguel Peliteiro.

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