Hello there, strangers!
Desde que somos pequeninos que ouvimos a mesma lenga lenga. “Não fales com estranhos, não aceites nada de ninguém, nunca sabes o que te podem fazer”. Não digo que tais precauções não sejam úteis ou justificadas quando temos seis anos. Mas à medida que crescemos devemos procurar as nossas próprias verdades, as nossas próprias regras e, mais importante, saber abandonar as que já não nos servem.
“Não fales com estranhos”. Esta foi uma das regras que mais prazer me deu abandonar, que mais gargalhadas e ensinamentos me trouxe, que mais vontade me dá de dizer um “olá” a quem não conheço. Não sei se o ser humano sempre teve lá no fundo o bichinho da individualidade ou se é uma invenção do séc. XXI, mas a cada dia que passa parece que somos cada vez mais fechados, cada vez mais medrosos, cada vez mais individualistas. Parece até estranho, sem sentido – quantos mais anos vivemos, quantas mais histórias temos para contar, menos queremos partilhar. Lembro-me como era fácil fazer amigos quando era pequenina, bastava perguntar “Olá, queres ser meu amigo?” e pronto, ganhávamos ali um amigo, talvez para a vida, talvez só por uma tarde, mas de qualquer das formas era uma ligação que se formava, algo simples e natural. Não havia cá medos de nada. Agora com vinte e três anos, olho à minha volta e pergunto-me porque tem de ser tão difícil? Porque temos de ser tão reservados? Do que temos medo?
É-nos cada vez mais difícil olhar para o outro como alguém que não tem segundas intenções. Ai de quem nos dirija palavra, ou é maluquinho para estar a falar comigo sem me conhecer de lado nenhum ou então quer pedir algo, com certeza. Mas este é um pensamento que acho que, por mais que nos custe, devemos avaliar e tentar rejeitar. Existem exceções claro, mas essas exceções não devem ser motivo para nos fecharmos em copas. É uma questão de ter algum cuidado e confiar na nossa intuição. Caso seja alguém que não ainda não conheceste pessoalmente, deves ter em conta certos procedimentos como encontrarem-se em sítios com muita gente, avisar alguém que se vão encontrar, ver as referências (no caso de comunidades como o CouchSurfing), entre outros.
É que, muitas vezes, quem não conhecemos pode ser o nosso passaporte para um país longínquo. Já estive na França, na Irlanda, nos EUA, na Alemanha, na Arménia e até na África do sul, tudo isto sem lá ter estado realmente. Tudo isto por ter conhecido pessoas de lá, por ter ouvido as suas histórias, por ter rido com elas, por ter partilhado com elas saídas à noite ou passeios à tarde. Não precisamos de sair do sítio onde estamos para viajarmos um bocado, ainda que apenas na nossa imaginação. Ouvir alguém descrever como é o outono em Pretória, ou como no Minnesota a neve não é nada do outro mundo e nos EUA o café é sempre bebido “on the go”, explicar a alguém que agora o kizomba é que está a dar (e, mais importante, o que é o kizomba), saber o que os outros comem, bebem, ouvem, lêem, fazem, vivem – é uma troca que nos faz viajar em espírito e valorizar aquilo que temos à nossa volta.
O meu mais recente exemplo disto são a Marissa e o Jeff, um casal americano que conheci através de um grupo para viajantes. A Marissa pedia ajuda com sítios para ver em Lisboa, coisas para fazer. Vi que ela é fotógrafa (muito boa, por sinal), e tendo os mesmos interesses que ela, mandei-lhe mensagem com alguns sítios. Estão cá a viver um mês, já passaram por Espanha, Itália, França e ainda não sabem para onde irão no próximo mês. Depois de muita conversa, combinámos fazer algo juntos durante a semana. Na quinta lá conseguimos combinar algo: eu ia sair com o pessoal da AGYP e eles juntaram-se a nós. Convidaram-nos para irmos a casa deles antes de sair e lá fomos. Fomos recebidos com bebidas, morangos mergulhados em chocolate (melhores hosts de sempre, nunca me iria lembrar de fazer isto) e muita boa disposição. Falámos durante um bom bocado – surgiu o tema do gap year e quando os questionámos, disseram sorrindo que não estão a fazer um GY, mas que para eles isto já se trata sim de “real life”. Depois fomos sair, falámos mais um pouco, dançámos, trocámos histórias e expressões. No fim da noite despedimo-nos, cada um foi para o seu lado e eu voltei para casa de coração cheio.
Como esta, felizmente, tenho mais algumas histórias para contar. E esta é uma das coisas maiores pelas quais, para mim, vale a pena estar aqui, estar viva. Pelo sentido de comunidade, pela perceção de que o ser humano é capaz de partilhar sem pedir nada em troca, pelas histórias que ouvimos e contamos, pela vida à nossa volta, pelos outros e pela ligação desses outros a nós, por podermos sair daqui sem o fazermos na realidade. Por saber que uma noite de convívio ainda não é uma ideia obsoleta. Saber que neste mundo existem pessoas que conseguem ver o lado bom das coisas, pessoas que, sejam de que idade forem, procuram esperança, inspiração, amor, fé. Que afinal não somos assim tão maus como nos pintam. São coisas assim que me fazem acreditar no lado bom do ser humano.
Existem várias maneiras de tomarmos contacto com ou ajudarmos pessoas de outros países sem sairmos da nossa rotina (ou até saindo, mas quando isso acontece, acreditem que vale a pena). Instituições como o ESN, ou até na tua própria escola (com o programa Buddy, que existe em imensas faculdades, escolas superiores e até no ESN), grupos e fóruns de viajantes, através de comunidades como o CouchSurfing, trabalhando num hostel, ou simplesmente na rua quando vês alguém um pouco perdido.
Muitas vezes sentimos que não temos nada para oferecer, que poderemos desperdiçar o tempo deles e o nosso, mas não te deixes levar por esses pensamentos. Todos temos histórias que valem a pena ouvir e os nossos sítios, que parecem tão banais, podem ser algo nunca visto para alguém. Por isso da próxima vez que te dirigirem um “Olá” (ou um “Hello”, um “Hola!” ou até um “Γεια”) não olhes para o telefone a fingir que não é nada contigo, nunca sabes o que um simples “Olá” pode ter guardado para ti. E quando isso acontecer, não te esqueças de partilhar a tua história connosco!